O Amor
Como Vício
Soneto de
Abertura**
O amor é uma
droga...
É o meu
maior vício!
Eu me viciei
nessa droga!
O coração em
solstício,
Desregulada
e muito louca!!
Eu quero
dele agora a boca!
É já! Minha
vontade é o agora!!!
Quero-a por
todas as horas.
Meu vício é
ele! O meu bem
E meu mal!
Quero-a e não vem
Agora a sua
boca para meu bem!!
Ora, amor é
a pedra no meu caminho!
Quem mandou
ele fomentar meu ninho?
Foi só para
me deixar nesse descaminho?
(Sartório
Wilen)
Uma Dependência sem Fim
Eram quase
três da manhã, e Carla ainda estava acordada. O quarto escuro parecia
apertá-la, como se as paredes se fechassem um pouco mais a cada segundo. A
janela aberta deixava entrar a brisa fresca da madrugada, mas o coração dela
batia forte, quente, como se estivesse preso em um inferno particular. O
celular, jogado ao lado da cama, piscava de vez em quando, entretanto nunca com
a notificação que ela desejava.
— Ele não
vai responder... — murmurou, frustrada, jogando-se de volta no travesseiro.
Carla estava
obcecada. Obcecada por Daniel, o homem que a enfeitiçara desde o primeiro
beijo. A sensação era incontrolável, como se uma força invisível a puxasse para
ele, não importava o que fizesse. Era um vício que a corroía lentamente, um
desejo constante de estar perto dele, sentir seu toque, ouvir sua voz.
Aquele
silêncio era insuportável. Sentia que cada segundo sem uma mensagem dele, era
um ataque à sua sanidade. Queria, precisava, que ele falasse com ela, que
estivesse presente, que a quisesse da mesma forma que ela o queria. porém as
horas passavam, e nada... Uma angústia profunda tomava conta de seu peito e
seus pensamentos giravam em torno do que ele poderia estar fazendo, ou pior,
com quem.
De súbito,
seu telefone vibrou. Ela saltou da cama, ansiosa, mas ao ver a tela, a decepção
foi imediata. Era apenas uma mensagem de trabalho.
— Droga! —
exclamou, sentindo uma onda de raiva atravessá-la.
Sentiu-se
desamparada, como se estivesse à mercê de algo maior do que ela própria. A
sensação era quase física, como uma droga. "O amor é uma droga",
pensou. "E eu estou completamente viciada."
O dia em que
conheceu Daniel parecia tão distante, contudo, a lembrança ainda era vívida.
Ele se apresentou charmoso, envolvente, parecia entender seus desejos mais
íntimos. E então, com o passar do tempo, a atenção foi diminuindo. As
mensagens, que antes eram constantes, tornaram-se espaçadas. As promessas de
encontros transformaram-se em desculpas vagas. No entanto, mesmo sabendo disso,
Carla não conseguia se desvencilhar da necessidade de ter Daniel por perto. O
vício era maior que ela.
— Eu preciso
de você — ela disse em voz alta, como se as palavras pudessem atravessar o
espaço e o tempo até ele.
Lembrou-se
das noites que passaram juntos, de como ele a fazia rir e como, de alguma
forma, sempre parecia escapar quando as coisas ficavam sérias. Como se ele
soubesse o poder que tinha sobre ela, e isso o fizesse manter distância,
mantendo-a sempre na linha tênue entre o desejo e a frustração.
— Meu
vício... meu bem... e meu mal — sussurrou Carla, quase sem perceber.
Ela
levantou-se da cama, incapaz de ficar parada. Caminhou pelo apartamento, o
coração apertado, como se cada passo fosse uma busca por algo inalcançável. O
eco de seus sentimentos reverberava em cada canto da casa. "Quero-o por
todas as horas... mas ele não vem!!!!!!!"
Carla passou
as mãos pelos cabelos, os olhos agora lacrimejando. Era como se estivesse presa
em um ciclo, um labirinto emocional do qual não conseguia escapar. "Amor é
a pedra no meu caminho!!!", pensou, repetindo para si mesma. Cada passo
que tentava dar para seguir em frente, era barrado pelo próprio desejo de ter o
amado de volta.
Ela pegou o
telefone de novo, hesitante. As horas avançavam e, no fundo, sabia que enviar
outra mensagem seria inútil. Mas, como todo vício, o impulso era maior que a
razão. Digitou rápido, um pedido simples: "Você vem hoje?"
Silêncio.
Mais uma vez, silêncio.
— Quem
mandou ele fomentar meu ninho? — murmurou, ecoando a pergunta que atormentava
sua mente.
Já havia
internalizado tudo mentalmente, como se tudo tivesse sido feito para deixá-la
nesse estado de desespero. Como se ele tivesse, deliberadamente, plantado a
semente do vício em seu coração, apenas para depois a abandonar. E agora,
sozinha em seu apartamento escuro, Carla se perguntava se algum dia conseguiria
se libertar desse amor.
O celular
vibrou novamente. Dessa vez, o nome que tanto esperava, apareceu na tela.
— Estou na
rua de baixo. Desce.
Carla
sorriu, aliviada. Mesmo sabendo que a resposta, essa atenção momentânea, não
resolveria nada, sentiu-se aliviada. Pelo menos por esta noite, o vício seria
saciado. Amanhã? Amanhã seria outro dia, com suas próprias dúvidas e
inquietações.
Ela pegou a
chave e saiu porta afora. O amor, pensou, é o vício mais devastador que existe.
Mas também é o único do qual, talvez, nunca quisesse realmente se curar.
Comentários
O soneto,
integrado à narrativa, reflete perfeitamente os sentimentos de Carla. O amor
como droga e vício, a obsessão pela presença do outro, a dor causada pela
ausência, e a sensação de estar em um descaminho emocional são sentimentos
explorados tanto no poema quanto na história. O ciclo vicioso de dependência é
a base da trama, e o soneto, posicionado no início, serve como um prenúncio
poético da trajetória emocional de Carla.
Título: O
Amor Como Vício
---
**Soneto de
Abertura**
O amor é uma
droga...
É o meu
maior vício!
Eu me viciei
nessa droga!
O coração em
solstício,
Desregulada
e muito louca!!
Eu quero
dele agora a boca!
É já! Minha
vontade é o agora!!!
Quero-a por
todas as horas.
Meu vício é
ele! O meu bem
E meu mal!
Quero-a e não vem
Agora a sua
boca para meu bem!!
Ora, amor é
a pedra no meu caminho!
Quem mandou
ele fomentar meu ninho?
Foi só para
me deixar nesse descaminho?
(Sartório
Wilen)
Análise
Estrutural e Psicológica do Texto
Estrutura
do Soneto
O soneto
segue a tradicional forma de 14 versos, distribuídos em dois quartetos e dois
tercetos, o que oferece uma estrutura clássica à poesia. Os quartetos
estabelecem o tema principal, neste caso, o amor como vício e fonte de
descontrole emocional, enquanto os tercetos concluem a reflexão com um tom de
frustração e questionamento.
Primeiro
Quarteto:
O amor é imediatamente comparado a uma droga,
algo viciante que domina a vida da pessoa. A ideia de "vício" aqui
reflete uma dependência incontrolável, uma entrega absoluta a algo que está
além do controle racional. O uso de "solstício" sugere um ponto de
mudança extrema, talvez a oscilação entre os polos do prazer e da dor no amor.
Segundo
Quarteto:
Aqui, o
desejo toma o palco, personificado pela urgência em obter o outro. A linha
"Minha vontade é o agora!!!" transmite a natureza impulsiva desse
desejo, como um vício que não pode esperar. O excesso de exclamações
intensifica o sentimento de desespero e necessidade imediata.
Primeiro
Terceto:
O vício é
novamente reforçado, mas agora com a frustração da ausência. O sujeito deseja a
presença e o contato físico (a boca) do outro, mas esse desejo não é
satisfeito. O conflito entre querer e não ter se estabelece, mostrando a
natureza ambígua do amor, tanto "bem" quanto "mal" ao mesmo
tempo.
Segundo
Terceto:
O encerramento do poema é uma reflexão sobre
a armadilha do amor. A metáfora da "pedra no caminho" é uma alusão ao
obstáculo que impede o sujeito de seguir em frente. A ideia de que o amor
fomenta um "ninho" sugere uma falsa sensação de segurança ou lar, que
na realidade leva ao "descaminho", ou seja, à perda de direção na
vida emocional.
Análise
Psicológica
A narrativa
e o poema tratam de um estado psicológico de dependência emocional e de como o
amor pode se transformar em algo que subjuga a mente e o corpo. Carla, a
protagonista da narrativa, é uma representação vívida do que o soneto descreve:
uma pessoa que não consegue controlar sua obsessão amorosa. Ela está presa em
um ciclo de desejo e frustração, similar ao uso de uma droga.
A
dependência emocional pode ser descrita como um estado em que a pessoa se torna
incapaz de encontrar satisfação ou completude sem o outro. No caso de Carla, o
amor por Daniel não é apenas um sentimento, mas uma necessidade compulsiva, um
vício que controla sua vida. O ciclo de espera, frustração e alívio momentâneo
com a atenção de Daniel espelha o ciclo de vício descrito no poema.
Neurociência
e o Amor como Vício
A
experiência de Carla e o tema do soneto têm paralelos diretos com o que a
neurociência entende sobre o amor e a dependência. Estudos sobre o cérebro
mostram que o amor romântico, ativa regiões semelhantes àquelas envolvidas no
vício em drogas, especialmente o sistema de recompensa, que inclui o núcleo
accumbens (centro do prazer) e o córtex pré-frontal. Estes são os mesmos
circuitos ativados pelo uso de substâncias como cocaína e álcool.
1. - Dopamina:
Quando Carla espera uma mensagem de Daniel,
o cérebro dela provavelmente está inundado de dopamina, o neurotransmissor
associado à expectativa de recompensa. A dopamina é responsável pela sensação
de prazer e antecipação, e quando o desejo é frustrado, como quando Daniel não
responde, ocorre um “déficit de dopamina”. Isso cria uma sensação de
desconforto e insatisfação, semelhante à abstinência em vícios físicos.
2. - Ciclo
de Recompensa:
O vício emocional de Carla é reforçado toda
vez que Daniel responde ou dá qualquer sinal de atenção. Esse “reforço
intermitente” é extremamente poderoso, pois o cérebro recebe a recompensa de
forma imprevisível, o que aumenta ainda mais a compulsão. A incerteza de quando
(ou se) Daniel vai responder faz com que o cérebro de Carla busque
continuamente aquela dose de dopamina, criando um ciclo que é difícil de
quebrar.
3. - O
Papel do Córtex Pré-Frontal:
O córtex pré-frontal, que é responsável pelo
controle de impulsos e pelo planejamento a longo prazo, é muitas vezes
“sequestrado” em estados de amor obsessivo. Isso explica por que Carla continua
a enviar mensagens a Daniel mesmo sabendo que isso não resolverá o problema.
Ela não consegue “racionalizar” seu comportamento, porque sua mente está
dominada por impulsos emocionais.
4. - Desregulação
Emocional:
No poema, o coração é descrito como "em
solstício", indicando uma desregulação emocional extrema. Isso pode ser
interpretado como uma metáfora para o estado de desequilíbrio do sistema
límbico, onde as emoções são processadas. Pessoas em relacionamentos
obsessivos, como Carla, frequentemente sofrem de altos e baixos emocionais
intensos, semelhantes a uma "montanha-russa" emocional, exatamente
como o soneto descreve.
Análise mais
Profunda
O texto que
acompanha o soneto e a história de Carla são representações profundas da
natureza humana em face do amor e da dependência emocional. Carla, assim como o
eu lírico no soneto, sente-se aprisionada por um amor que não é recíproco de
maneira satisfatória. Ela experimenta uma necessidade constante, como se o
outro fosse a única fonte de prazer, apesar de essa dependência também trazer
sofrimento.
O estado
emocional de Carla é tipificado pela "urgência do agora", a
necessidade imediata de alívio que só o contato com Daniel pode proporcionar.
Isso reflete a natureza cíclica dos relacionamentos disfuncionais, onde os
momentos de satisfação são curtos e seguidos por longos períodos de angústia e
espera.
Do ponto de
vista psicológico, Carla está presa em um relacionamento que segue o modelo da
dependência emocional. O "descaminho" descrito no soneto é o
resultado de uma idealização irrealista do outro, que fomenta um ninho de ilusões,
mas nunca entrega a estabilidade emocional prometida.
Conclusão
A estrutura
do soneto complementa e enriquece a narrativa, funcionando como um espelho
poético da jornada emocional de Carla. Ambas as formas artísticas (narrativa e
soneto) exploram as complexidades do amor obsessivo, as armadilhas psicológicas
da dependência emocional, e os efeitos neurobiológicos dessa experiência. O uso
de figuras de linguagem, como "droga", "vício", e
"pedra no caminho", contribui para uma compreensão mais profunda das
emoções humanas envolvidas. A história de Carla, assim como o soneto, revela
que o amor, quando transformado em dependência, pode ser tanto uma fonte de
prazer quanto de dor, aprisionando a mente e o coração em um ciclo difícil de
escapar.